quarta-feira, 29 de abril de 2020

Até que o amanhã nos separe


Existem coisas que não têm a menor chance de funcionar, dar certo, ir para frente, vingar... Sabe aqueles projetos onde nitidamente a carroça anda à frente dos bois, pois bem, meu primeiro casamento foi um desses projetos fadados à falência prematura, contudo tive que dar uma oportunidade ao destino e apostar além de minhas fichas, o fiz.
Éramos jovens, muito jovens, com apenas dezenove anos estava eu assinando uma enormidade de documentos, correndo atrás de datas em igreja (tinha que ser rápido, por razões óbvias), cartório, roupa, convites. Realmente esse processo é muito chato e desgastante, além de oneroso, quem inventou tudo isso é um gênio das finanças e da psicologia feminina. Por mim tudo terminaria como começara, num breve “jato” de tinta e pronto, estaríamos casados, contudo novamente me rendi as vontades dos que me cercavam e fiz toda a lição de casa.
Todos os preparativos devidamente providenciados, meus familiares chegando do interior, e, chegou o grande dia, era um sábado. A cerimônia estava marcada para as 18 horas, impreterivelmente pois a agenda do padre parecia atendimento do INAMPS, seriam realizados uns quatro casamentos naquele dia, o meu seria o primeiro da lista.
Acordei no sábado com uma movimentação diferente em casa, inicialmente achei que seria somente porque a população aumentara substancialmente com os parentes dividindo as poucas cadeiras, mas era um pouco pior, estávamos sem energia. Naquele tempo a internet era um sonho de algum maluco e os atendimentos não eram eletrônicos, a vantagem - já atendiam com um alô, pode falar, a desvantagem - meia dúzia de atendentes disputavam a enxurrada de ligações recebidas em casos mais emergenciais. Como não poderia ser diferente, aquele dia foi de uma emergência sem tamanho, um “blackout” geral na cidade, sem previsão de retorno, assim começou o fim.
“O blecaute se deu devido à queda acidental de um elo de ligação da subestação de São Roque, interior de São Paulo, com a linha de transmissão em corrente contínua da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Inaugurada em 1984, a usina transmitia em caráter experimental a energia gerada por três turbinas, de 700 megawatts cada. Além de São Paulo e Distrito Federal, também foram atingidos os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul e parte do Espírito Santo. São Paulo foi o estado mais afetado. O blecaute foi o mais longo do estado até aquele momento.” Fonte: Folha de São Paulo.
Bem, com as canecas já preparadas para os banhos de gato, fomos aos poucos nos adaptando e acostumando com a situação, as mulheres sofreram um pouco a mais, contudo as cinco e meia o comboio estava partindo de casa em direção à igreja. Quanto à noiva, nem notícia. Ela havia ganhado um dia inteiro no salão (dia da noiva) e não existia celular, portanto incomunicável. Claro que eu havia pensado por várias vezes e também se tornou comentário frequente em casa sobre como ela estaria “se virando”.
Por orientação do padre, fomos direto à sacristia, onde esperaríamos o sinal para ficarmos a postos e ver a entrada da noiva. A energia havia sido reestabelecida, porém o sol e o calor castigavam, ainda mais para mim e os padrinhos, todos de meio fraque. Lá pelas seis e tantas o padre entrou na sacristia batendo os pés, dizendo que não poderia mais esperar pela noiva, ficou um pouco mais bravo quando viu que havíamos bebido toda sua água benta, armazenado em um filtro, certamente, bento também – Sua santidade, não tá dando, olha o calor. Depois dessa não o vi mais até o início da cerimônia.
Os convidados do primeiro e segundo casamento já se misturavam e se atropelavam pela igreja quando finalmente recebemos a notícia da chegada da noiva, nos recompomos na medida do possível e fomos nos posicionar no altar. Entrada ao som de Led Zeppelin e logo começamos a cerimônia, já anunciada pela santidade de que seria a mais curta da história da Igreja de São José, ledo engano.
Um enorme padrinho foi posicionado no último posto do altar, bem ao lado de outro imenso pilar que sustentava um vaso muito bem decorado, e, no meio da cerimônia eu olho para ele e sua par, ambos com cara de que haviam peidado na igreja, mas era pior. Ele estava passando mal com o calor e em instantes desabou, abraçado no pilar e vaso, trouxe todos ao chão fazendo um barulho sem igual na acústica redoma. Tentei me levantar para ajudar - neste momento estava ajoelhado - mas o padre logo me segurou e disse, se sair daqui paro tudo, obedeci.
Corre-corre daqui, abano e água dali, levantaram o sujeito e sumiram com ele, recomeçamos e logo terminamos. Terminamos também o relacionamento, alguns poucos meses depois.
Certamente àquela cerimônia iria ficar na memória de muitos, do celibatário aos convidados intrusos. Valeu a pena, claro que sim, hoje estão nas minhas memórias.

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