Cansado e extasiado, esses sentimentos me
acompanharam junto a ida à capital norte americana, nos parques o de sempre,
andar muito, filas longas e atrações além das imaginárias, minha viagem poderia
ter se encerrado por aí, mas agora começara a viagem de mamy. O hotel ficava no
meio da quadra, no centro, tudo muito parecido com o que tínhamos por aqui,
contudo uma novidade fez os olhos pequenos e negros brilharem, uma porta, uma
simples porta que dava acesso ao hotel, de vidro e “giratória”. Hoje temos
muitas delas por aqui, na verdade nos irritamos em demasia com elas, que
normalmente nos fazem de bobo nas entradas dos bancos, quem nunca voltou antes
da faixa amarela algumas vezes, até que a autoridade liberasse a entrada, com a
desconfiança sobre sua índole, só não entendo como que os bandidos de verdade
adentram com tamanha facilidade.
Após a arrumação habitual no quarto, mamy deixou
claro que seu “parque de diversões” começaria ali, e que eu deveria aguentar da
mesma forma que ela aguentara os “mickeys” e os “mouses”, concordei, tamanha
euforia me faria concordar com tudo. Mamy se arrumou e foi estrear o bar do hotel,
me dediquei a procurar garotos no saguão, minutos depois estava jogando xadrez
com "amigos" de partes diferentes do mundo, a mímica aprimorada em
Miami ajudou muito, certo que, para uma jogatina não é necessária tanta
comunicação assim.
Era final da tarde do primeiro dia,
surpreendentemente ainda não havia aprontado nada, calmo, sentado pacientemente
à frente do tabuleiro e do adversário, aquilo estava me entediando, e muito,
quando mamy saiu do bar, já acompanhada de uma turma dividida entre pessoas de
nossa excursão e alguns outros gatos pingados fisgados pelo caminho, me avisou
que iria a um show, fora do hotel, aquela ladainha toda sobre cuidados e
responsabilidade vieram à tona novamente, hoje analisando, devia ser uma cena
surreal, uma jovem e bonita dama dando conselhos a um garoto de oito anos,
sobre como se comportar numa cidade estrangeira, sozinho. Assim que entraram
nos taxis, o sentimento de liberdade conversou com o diabinho sentado em meu
ombro esquerdo, não queria mais ficar ali parado, na verdade já havia olhado e
admirado por várias vezes àquela porta linda e diferente, rodando a cada
solicitação de entrada ou saída, a proposta foi feita aos companheiros.
A brincadeira seria a seguinte, postados na esquina,
correríamos até o hotel, ganharia quem conseguisse fazer a porta girar em seu
eixo por mais vezes. Claro que uma pequena aposta foi lançada, não poderia ser
diferente. Todos em posição, correu o primeiro, três giros. Correu o segundo,
dois giros e pouco, chegara minha vez, tomei fôlego, me posicionei como numa
final dos cem metros e fui, a meta era desviar dos transeuntes sem perder
velocidade, abrir uma parábola e mirar firmemente na porta, sincronizar a
passada, esticar os braços e “vrum”.
Um tranco seguido de um barulho seco alertou todos
os funcionários e hóspedes que estavam no saguão, ao olhar avistaram um garoto,
preso na porta, uma das pernas não acompanhou o corpo e ficou em outro
compartimento da porta, um borrachão separava corpo e membro, nenhuma dor,
somente uma sensação de ridículo nunca dantes experimentada, a face rubrou
quase que imediatamente, a única reação que tive foi a de gritar, pedindo que
alguma boa alma empurrasse a porta e me ajudasse a chegar ao meu destino. Aqui,
meia dúzia de pessoas faria certa força, outros tantos empurrariam a perna,
outros ainda buscariam um pouco de sabão para passar na perna descoberta e
unida à borracha. Lá, chamaram os bombeiros.
Impressionante, o meu relógio biológico registrou
míseros minutos quando a primeira viatura estacionou na entrada do hotel, alardeando
a todos que passavam com suas sirenes e luzes, desceram para estudar o caso,
logo a rua estava tomada, até policiais a cavalo faziam o trabalho de isolar a
área. Decisão tomada, iriam retirar a porta, neste momento ainda me restavam
forças para implorar por um empurrão, nada adiantou, iniciaram o desmonte,
claro que além da cena ridícula, ninguém podia entrar tampouco sair, pois
aquela era a única passagem social. Procuraram pelos meus responsáveis, sem
êxito. Ferramentas sendo utilizadas, muita habilidade, porta no chão, por um
momento um alívio tomou conta de mim, estava livre, não pela perna que nada
sentia, mas a vergonha e o medo eram terríveis, cabisbaixo, fui saindo da
posição e entrando no hotel até que um braço forte me puxou, quando olhei, um
dos bombeiros, o capacete branco indicava que ele se diferenciava dos outros,
colar cervical, cintas me prendiam a uma placa de madeira, me colocaram na
ambulância, cinco piscadas de olhos e já estava cortando o trânsito em direção
ao hospital.
No trajeto tentei por várias vezes explicar que
estava bem, porém aqueles homens não tinham a mesma vontade dos garotos em
entender mímica, nada podia fazer, fui. Um oficial de polícia me acompanhava
durante todos os exames no hospital, a cada intervalo me perguntava algo sobre
"father" ou "mother", imaginei uma mímica sobre um pai que
estaria sei lá aonde e uma mãe aproveitando a noite na capital do mundo, mas
desisti, esperamos.
Mamy chega desesperada no hospital, acompanhada de
um judeu que fazia parte do grupo conhecido no hotel, conversaram com os
médicos e policiais, umas belas broncas em todos, fomos liberados, neste
momento eu insistia com um “tá vendo, eu disse que não tinha nada”, contudo me
explicaram que as leis gringas são rigorosas, e que o hotel poderia ser
responsabilizado caso eu sofresse algum trauma decorrente do incidente,
novamente me calei, não era hora de esbravejar. Na volta ao hotel, o cavalheiro
judeu que falava espanhol e que trabalhava viajando pelo mundo, enfaticamente
aconselhou mamy a me colocar num “kibuts”, aos desavisados, comunidades
judaicas perdidas no meio do deserto.
Mamy podia ser meio maluca, mas nossa parceria era
sólida e saudável. Nunca mais o vimos.
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