Preciso iniciar falando um
pouco sobre amizade, sempre as plantei e cultivei com esmero e talvez seja por
isso que tenho vários amigos de infância e que ainda são presença constante na
vida atual. O prédio onde morei dos nove aos vinte anos contribuiu e muito para
isso, pois éramos quatorze moleques que se tornaram grandes amigos,
companheiros, irmãos. Fazíamos tudo juntos, brincadeiras, jogos, passeios,
viagens, todos tinham acesso ilimitado a casa dos outros e era comum você
visitar um deles e encontrar algum sentado à mesa do almoço ou jantar.
Um deles – que merecidamente ganhou essa história de hoje – jogava
vôlei no clube paulistano, e fora convocado para a seleção paulista, onde
participou de um torneio nacional sei lá aonde. De qualquer forma o que
interessa é que ele voltou se dizendo amigo da equipe feminina de Santa
Catarina, e que muitas delas moravam em Florianópolis, doravante carinhosamente
chamada de Floripa, e que haviam convidado - a ele e seus amigos - para
conhecerem a ilha mágica. Poucas conversas, pouco planejamento, e lá fomos nós.
Era julho.
Estávamos em três amigos, Fritz, Ricardo e eu, no carro fomos conversando
sobre as meninas e onde ficaríamos, já que uma delas iria nos emprestar sua
casa de veraneio na praia de Canavieiras – vale dizer que nessa época essa
praia era quase deserta, ainda mais no brutal inverno de julho. Nessa época
também a estrada era sinistra, muitos caminhões e todos completamente malucos,
até hoje tenho um frio na barriga quando vou cruzar um caminhão com aquele
boneco aceso da Michelin grudado no espelho, então nossa viagem durou cerca de
10 horas, um porre. Chegamos no final da tarde, quase anoitecendo e fomos
direto ao apartamento da nossa anfitriã, que ficava no centro do continente
(assim se separa Floripa, continente e ilha, centro e praias).
Quando abriram a porta do apartamento começaram as surpresas, a
primeira e deveras agradável é que a Raquel era linda, a segunda e nem tão
agradável assim é que seu irmão mais velho era um maluco de dar nó. Sentamo-nos
à mesa da cozinha enquanto esperávamos receber as chaves e instruções sobre a
casa emprestada, nesse meio tempo o louco do irmão, de nome Ferrari, começou a
nos oferecer as cachaças regionais, ora uma branca, ora uma amarela, ora uma
vermelha e assim ia, o cara era tão doido que ele fumava na cozinha e jogava
cinza e a bituca no chão, ainda dava aquela pisada para apagar direito, isso eu
nunca havia visto. Pegamos as chaves e mapa, mas não fomos direto para nosso
lar provisório, o Ferrari nos levou para conhecer os bares da Ponte de Baixo,
um bairro muito boêmio e maluco da cidade, e disse certo sim, bares, no plural.
Não preciso dizer que não demorou muito para que nós três estivéssemos
completamente bêbados, porém só reconhecemos isso quando o Ricardo começou a
vomitar e destruir um banheiro do bar, resolvemos ir para casa.
Era longe, algo perto dos vinte quilômetros da cidade à Canavieiras, o
Fritz dirigindo (único maior de dezoito e com carta) eu no passageiro e o Ricardo
atrás, carro de duas portas e de repente começaram os torpedos. O Ricardo
cuspia e vomitava, ou vomitava e cuspia de forma incessante, eu me abaixei no
banco e o desci, como se alguém fosse entrar, o Fritz que dirigia não teve a
mesma sorte, levava aos montes os asteroides grudentos, e foi assim até
chegarmos a casa. Assim que estacionamos, fomos conhecer a casa, grande, com
uns oito quartos, daquelas moduladas que vão crescendo conforme vai sobrando
grana. O Fritz resolveu lavar o carro na mesma hora, aproveitou a mangueira que
achou e lavou o Ricardo também, enquanto isso eu fiz um belo sanduba e fiquei
admirando a ação do lava-rápido, depois me disseram que eu era nojento, mas na
verdade, eu sou gordo e tenho fome.
Todos de banho tomado, o Fritz e eu de chuveiro e o Ricardo de
mangueira, fez a manguaça passar um pouco, fomos ver os quartos e decidimos que
no quarto da frente que tinham dois beliches ficaríamos o Fritz e eu, e no
quarto com cama de casal o Ricardo, ninguém quis dividir quarto com o cuspão.
Sentados todos na cama o Ricardo e eu lembramos de como era linda a amiga do
Fritz e de como poderíamos ficar com ela, piscamos um para o outro e começamos
a nossa armação, seria fácil, quando o Fritz dormisse eu assobiaria, o Ricardo
viria e mataríamos o amigo de longa data, colocaríamos ele no carro e
dirigiríamos até a casa da Raquel, ela desceria, entraria no carro e pronto.
Ainda continuamos com outros assuntos durante algum tempo, até que o Ricardo
deu boa noite e foi para seu quarto.
Passados alguns instantes, já com todas as luzes apagadas, vejo o Fritz
se levantar e sair do quarto, passados poucos segundos ele volta e deita, achei
normal até o dia seguinte, quando acordei antes dele e percebi que o cara
estava dormindo de roupa e tênis, e ainda com um facão de cozinha embaixo do
travesseiro, ele realmente achou que nossa história era verdadeira. E assim foi
nossa primeira noite em terras catarinas.
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