quarta-feira, 29 de abril de 2020

Chegamos em Floripa


Preciso iniciar falando um pouco sobre amizade, sempre as plantei e cultivei com esmero e talvez seja por isso que tenho vários amigos de infância e que ainda são presença constante na vida atual. O prédio onde morei dos nove aos vinte anos contribuiu e muito para isso, pois éramos quatorze moleques que se tornaram grandes amigos, companheiros, irmãos. Fazíamos tudo juntos, brincadeiras, jogos, passeios, viagens, todos tinham acesso ilimitado a casa dos outros e era comum você visitar um deles e encontrar algum sentado à mesa do almoço ou jantar.
Um deles – que merecidamente ganhou essa história de hoje – jogava vôlei no clube paulistano, e fora convocado para a seleção paulista, onde participou de um torneio nacional sei lá aonde. De qualquer forma o que interessa é que ele voltou se dizendo amigo da equipe feminina de Santa Catarina, e que muitas delas moravam em Florianópolis, doravante carinhosamente chamada de Floripa, e que haviam convidado - a ele e seus amigos - para conhecerem a ilha mágica. Poucas conversas, pouco planejamento, e lá fomos nós. Era julho.
Estávamos em três amigos, Fritz, Ricardo e eu, no carro fomos conversando sobre as meninas e onde ficaríamos, já que uma delas iria nos emprestar sua casa de veraneio na praia de Canavieiras – vale dizer que nessa época essa praia era quase deserta, ainda mais no brutal inverno de julho. Nessa época também a estrada era sinistra, muitos caminhões e todos completamente malucos, até hoje tenho um frio na barriga quando vou cruzar um caminhão com aquele boneco aceso da Michelin grudado no espelho, então nossa viagem durou cerca de 10 horas, um porre. Chegamos no final da tarde, quase anoitecendo e fomos direto ao apartamento da nossa anfitriã, que ficava no centro do continente (assim se separa Floripa, continente e ilha, centro e praias).
Quando abriram a porta do apartamento começaram as surpresas, a primeira e deveras agradável é que a Raquel era linda, a segunda e nem tão agradável assim é que seu irmão mais velho era um maluco de dar nó. Sentamo-nos à mesa da cozinha enquanto esperávamos receber as chaves e instruções sobre a casa emprestada, nesse meio tempo o louco do irmão, de nome Ferrari, começou a nos oferecer as cachaças regionais, ora uma branca, ora uma amarela, ora uma vermelha e assim ia, o cara era tão doido que ele fumava na cozinha e jogava cinza e a bituca no chão, ainda dava aquela pisada para apagar direito, isso eu nunca havia visto. Pegamos as chaves e mapa, mas não fomos direto para nosso lar provisório, o Ferrari nos levou para conhecer os bares da Ponte de Baixo, um bairro muito boêmio e maluco da cidade, e disse certo sim, bares, no plural. Não preciso dizer que não demorou muito para que nós três estivéssemos completamente bêbados, porém só reconhecemos isso quando o Ricardo começou a vomitar e destruir um banheiro do bar, resolvemos ir para casa.
Era longe, algo perto dos vinte quilômetros da cidade à Canavieiras, o Fritz dirigindo (único maior de dezoito e com carta) eu no passageiro e o Ricardo atrás, carro de duas portas e de repente começaram os torpedos. O Ricardo cuspia e vomitava, ou vomitava e cuspia de forma incessante, eu me abaixei no banco e o desci, como se alguém fosse entrar, o Fritz que dirigia não teve a mesma sorte, levava aos montes os asteroides grudentos, e foi assim até chegarmos a casa. Assim que estacionamos, fomos conhecer a casa, grande, com uns oito quartos, daquelas moduladas que vão crescendo conforme vai sobrando grana. O Fritz resolveu lavar o carro na mesma hora, aproveitou a mangueira que achou e lavou o Ricardo também, enquanto isso eu fiz um belo sanduba e fiquei admirando a ação do lava-rápido, depois me disseram que eu era nojento, mas na verdade, eu sou gordo e tenho fome.
Todos de banho tomado, o Fritz e eu de chuveiro e o Ricardo de mangueira, fez a manguaça passar um pouco, fomos ver os quartos e decidimos que no quarto da frente que tinham dois beliches ficaríamos o Fritz e eu, e no quarto com cama de casal o Ricardo, ninguém quis dividir quarto com o cuspão. Sentados todos na cama o Ricardo e eu lembramos de como era linda a amiga do Fritz e de como poderíamos ficar com ela, piscamos um para o outro e começamos a nossa armação, seria fácil, quando o Fritz dormisse eu assobiaria, o Ricardo viria e mataríamos o amigo de longa data, colocaríamos ele no carro e dirigiríamos até a casa da Raquel, ela desceria, entraria no carro e pronto. Ainda continuamos com outros assuntos durante algum tempo, até que o Ricardo deu boa noite e foi para seu quarto.
Passados alguns instantes, já com todas as luzes apagadas, vejo o Fritz se levantar e sair do quarto, passados poucos segundos ele volta e deita, achei normal até o dia seguinte, quando acordei antes dele e percebi que o cara estava dormindo de roupa e tênis, e ainda com um facão de cozinha embaixo do travesseiro, ele realmente achou que nossa história era verdadeira. E assim foi nossa primeira noite em terras catarinas.

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