Em época de adolescência a
rebeldia se faz presente nos mínimos detalhes, nesse tempo gostava muito de
negar e repudiar toda e qualquer solicitação de mamy, apesar de que por vezes
essas negações eram fundamentadas, pela idade a resposta que poderia ser um
simples “não” fora substituída por um “nem fodendo véia”.

O primo morava em casa, veio fazer cursinho e aproveitar um pouco mais
da vida longe dos pais, em seu modo aproveitou bem, dormia o dia todo. Certa
noite mamy chegou eufórica, havia recebido um telefonema de convite da prima –
agora separada e morando em São Paulo – para uma visita em seu apartamento no
centro da cidade, já havia ido lá uma vez, local sombrio, escuro, prédio sem
porteiro, daqueles que o interfone com a numeração dos apartamentos fica
expostos à rua, conhecendo muito bem mamy e sua prima, minha resposta não
poderia ser outra - “nem fodendo véia” - contudo meu primo era mais educado e
solícito, talvez por achar que morava em casa deveria atender aos pedidos de
sua tia, se arrumaram e foram ao centro da cidade. Voltaram depois de horas, já
se passava da meia noite e não entendi o porquê meu primo estava ofegante e
pálido, entrou no quarto que dividíamos sem dar uma única palavra, após
insistentes perguntas ele foi se soltando, tendo a certeza de que havia chego
em terreno conhecido e seguro e relatou...
Ao chegar ao apartamento da prima, local exatamente como o descrito
acima, ele resolveu que iria esperar no carro, afinal na ida mamy revelou o
porquê da visita, a dita prima estaria com um amigo que, após uns goles e
tragos, receberia entidades que destrinchavam suas vidas passadas e futuras.
Estacionou o carro à frente do prédio e viu mamy adentrando após apertar algum
botão e sumir pela porta de ferro e vidro, diz ele que nesse momento que foi
reparar com detalhes onde realmente estava, alguns poucos transeuntes passavam
pelo local e suas caras sempre o faziam imaginar desfechos assustadores, então
resolver sair dali também, pensou que ficando no apartamento da prima estaria
mais seguro, acertou, em parte.
A primeira tarefa seria adivinhar qual o número apertar naquele imenso
interfone de botões pequenos e iluminados, sem qualquer nome ou indicação teria
que ser no chute, sem nenhuma equação matemática foi na sorte, depois de
algumas respostas malcriadas uma senhora de voz trêmula e velha indicou o
número certo a apertar. A porta se abriu e dava num longo corredor, os
elevadores ficavam à esquerda e tinham suas portas com rabiscos e dizeres de
fácil identificação mesmo depois de algumas mãos de verniz, aguardou o pequeno,
porém barulhento elevador chegar e subiu.
Na chegada ao andar já sentiu certo odor estranho, incenso misturado
com charuto, velas e bebida, realmente deve ser explosivo. Com receio, mas sem
ter o que fazer, tocou a campainha e aguardou alguns momentos que pareceram uma
eternidade, ouviu uma voz conhecida pedindo que aguardasse um instante, o fez.
A porta se abriu lentamente, de repente uma “figura” estranha estava entre ele
e o apartamento, um senhor de meia idade, seu traje preto da cabeça aos pés
ainda eram recobertos por um manto bicolor, por fora preto fosco e por dentro
vermelho brilhante, uma barba desleixada e cabelos levemente compridos e despenteados,
charuto na boa e segurando um copo americano de conteúdo alcoólico. Com a mão
em riste e olhar fixo para os olhos do primo ele se apresentou: - Prazer, Exu
Caveira
Conhecendo meu primo tenho certeza que ele preferiria os meliantes
desconhecidos ao indivíduo com nome e sobrenome. Relutou, mas entrou, quando
não se tem opção cometemos atos impensados. Ao primeiro passo recebeu uma
borrifada de um desodorante spray, daqueles que ficam mesmo depois de quem o
usa partir, e recebeu “ordens” do elemento, toda sua vida estava traçada e nada
que fizesse poderia mudar, e assim foi, por horas a fio ouvindo, ora em tom
rouco ora em gritos entusiásticos, os conselhos e histórias do autêntico e
único representante oficial da marca Exu.
“Eu te disse que era roubada”, foram as palavras
que declamei ao ouvir tal relato, agora ele aprendeu mais uma, a educação pode
custar caro sem uma avaliação prévia. Já eu, continuei com a certeza absoluta
que minha frase de efeito, por mais chocante que poderia parecer, tinha seu
mérito e significado. NEM FODENDO VÉIA.
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