quarta-feira, 29 de abril de 2020

Copa do Mundo

Em Guadalajara tudo pronto para nossa estreia frente à Espanha, bem que este jogo poderia estar acontecendo no Morumbi ou Maracanã, se não fosse a recusa, pelo presidente Sarney, do convite feito pela Fifa ao Brasil para sediar esta Copa, então, viva el México.

Primeiro de Junho de 1986, os times entram em campo e a gritaria se generaliza na Avenida Paulista, sede do maior telão instalado na cidade, em frente ao prédio da Gazeta a multidão se aglomera para assistir mais um show brazuca, e como não poderia ser diferente, lá estava eu. Logo o primeiro ato mostrou que aquele dia seria confuso, após a formação tradicional o DJ mexicano tocou o nosso Hino à Bandeira ao invés do Hino Nacional, nós, calados, ouvimos e reclamamos, afinal quem sabe a letra desse hino.

Meio dia o jogo começou, sem muita empolgação o que restava era falar mal do time e tomar umas “brejas”, acompanhado de um amigo, em instantes trocávamos comentários e críticas com os torcedores ao lado. Dezessete minutos do primeiro tempo, um dos jogadores mais bonitos do elenco marcou o gol brasileiro, Sócrates abrira o placar, Telê Santana deu dois pulinhos, e foi isso. Com o fim do jogo e a vitória magra do selecionado, fomos comemorar, a verdade é que já estava a poucas gotas de uma bebedeira enorme, mas não recusei, juntamos alguns mal-acabados e nos instalamos em um bar qualquer da avenida.

Meia hora de conversa sobre o jogo e o assunto virou para “mulher”, afinal, amigos numa mesa de bar, cerveja, futebol e mulher são os assuntos do cardápio. Meu amigo levantou-se, momentos depois retornou com a notícia, havia combinado de nos encontrarmos com duas amigas, no final da tarde, em um bar de Pinheiros, ali ficamos até o horário do encontro.
A Praça Benedito Calixto é o palco de uma feira de antiguidades e inutilidades, todo domingo as barracas são montadas e são ofertados ao público, gêneros dos mais diversos preços, idades e gostos, aliás, bem duvidosos. Seria em um bar situado nessa praça, o “Bar Bar O”, o local por si já era psicodélico, um galpão em dois andares, térreo e subsolo, em cima as mesas, dezenas delas, do bar estilo americano saiam as mais variadas e estranhas iguarias, acompanhadas de muita cerveja e pinga. O andar de baixo servia de local de guarda de fantasias e carros alegóricos, amontoados, tomavam conta de quase todo o espaço, o que sobrava, abrigava os malucos do pedaço. Algumas alegorias serviam de decoração no galpão principal, bem acima de nós, uma águia imensa balançava, pendura no teto por fios.
Sentamos e esperamos as companhias, já não tinha ideia do que falar para as meninas, nem meu nome sabia mais, enfim, o Brasil ganhou, viva. As meninas chegaram, me apresentei e me encantei, eram mais bonitas que o Sócrates, tá valendo. Começamos a conversar, na verdade mais ouvia que falava, até que tudo começou a girar, a águia já não estava mais presa ao teto e sim voando pelos ares do galpão, mal conseguia fixar os olhos nos três. Cinza, preto, desmaiei.
Quando abri os olhos me deu vontade de fechar novamente, a cena era estranha, eu deitado no chão, todo molhado por ter carregado comigo algumas mesas e tudo que nelas continha, uma roda de pessoas me cercavam e ao meu lado direito um garçom com um copo de água com açúcar, ao meu lado esquerdo uma das meninas com um copo de água com sal, ambos implorando para que eu bebesse e discutindo entre eles qual seria o elixir da cura. Aos poucos fui recobrando a consciência e percebendo o vexame, queria sim um copo cheio do pó de sumiço ou da invisibilidade, levantei, refizeram as mesas nos devidos locais, contudo todos os olhares estavam voltados para mim, até a águia me olhava com um certo sorriso nojento. Na verdade, já estava bem, parece que os poucos segundos foram suficientes para o corpo eliminar todo o álcool absorvido durante o dia, a cabeça não doía mais, teria total condição de um recomeço, mas a vergonha era grande, fingi que ainda estava horrível e pedimos a conta.
Perdi as amigas, de novo um encontro às escuras fora amaldiçoado, tudo bem, nada era pior do que estava por vir, o Zico, o Sócrates e o Júlio César perderam pênaltis no mesmo jogo e fomos eliminados pela França, quer mais, a Argentina foi campeã. Nunca mais fui à Paulista.

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