Em Guadalajara tudo pronto
para nossa estreia frente à Espanha, bem que este jogo poderia estar
acontecendo no Morumbi ou Maracanã, se não fosse a recusa, pelo presidente
Sarney, do convite feito pela Fifa ao Brasil para sediar esta Copa, então, viva
el México.
Primeiro de Junho de 1986,
os times entram em campo e a gritaria se generaliza na Avenida Paulista, sede
do maior telão instalado na cidade, em frente ao prédio da Gazeta a multidão se
aglomera para assistir mais um show brazuca, e como não poderia ser diferente,
lá estava eu. Logo o primeiro ato mostrou que aquele dia seria confuso, após a
formação tradicional o DJ mexicano tocou o nosso Hino à Bandeira ao invés do
Hino Nacional, nós, calados, ouvimos e reclamamos, afinal quem sabe a letra
desse hino.
Meio dia o jogo começou, sem
muita empolgação o que restava era falar mal do time e tomar umas “brejas”,
acompanhado de um amigo, em instantes trocávamos comentários e críticas com os
torcedores ao lado. Dezessete minutos do primeiro tempo, um dos jogadores mais
bonitos do elenco marcou o gol brasileiro, Sócrates abrira o placar, Telê
Santana deu dois pulinhos, e foi isso. Com o fim do jogo e a vitória magra do
selecionado, fomos comemorar, a verdade é que já estava a poucas gotas de uma
bebedeira enorme, mas não recusei, juntamos alguns mal-acabados e nos
instalamos em um bar qualquer da avenida.
Meia hora de conversa sobre
o jogo e o assunto virou para “mulher”, afinal, amigos numa mesa de bar,
cerveja, futebol e mulher são os assuntos do cardápio. Meu amigo levantou-se,
momentos depois retornou com a notícia, havia combinado de nos encontrarmos com
duas amigas, no final da tarde, em um bar de Pinheiros, ali ficamos até o
horário do encontro.
A Praça Benedito Calixto é o palco de uma feira de antiguidades e
inutilidades, todo domingo as barracas são montadas e são ofertados ao público,
gêneros dos mais diversos preços, idades e gostos, aliás, bem duvidosos. Seria
em um bar situado nessa praça, o “Bar Bar O”, o local por si já era
psicodélico, um galpão em dois andares, térreo e subsolo, em cima as mesas,
dezenas delas, do bar estilo americano saiam as mais variadas e estranhas
iguarias, acompanhadas de muita cerveja e pinga. O andar de baixo servia de
local de guarda de fantasias e carros alegóricos, amontoados, tomavam conta de
quase todo o espaço, o que sobrava, abrigava os malucos do pedaço. Algumas
alegorias serviam de decoração no galpão principal, bem acima de nós, uma águia
imensa balançava, pendura no teto por fios.
Sentamos e esperamos as companhias, já não tinha ideia do que falar
para as meninas, nem meu nome sabia mais, enfim, o Brasil ganhou, viva. As
meninas chegaram, me apresentei e me encantei, eram mais bonitas que o
Sócrates, tá valendo. Começamos a conversar, na verdade mais ouvia que falava,
até que tudo começou a girar, a águia já não estava mais presa ao teto e sim
voando pelos ares do galpão, mal conseguia fixar os olhos nos três. Cinza,
preto, desmaiei.
Quando abri os olhos me deu vontade de fechar novamente, a cena era
estranha, eu deitado no chão, todo molhado por ter carregado comigo algumas
mesas e tudo que nelas continha, uma roda de pessoas me cercavam e ao meu lado
direito um garçom com um copo de água com açúcar, ao meu lado esquerdo uma das
meninas com um copo de água com sal, ambos implorando para que eu bebesse e
discutindo entre eles qual seria o elixir da cura. Aos poucos fui recobrando a
consciência e percebendo o vexame, queria sim um copo cheio do pó de sumiço ou
da invisibilidade, levantei, refizeram as mesas nos devidos locais, contudo
todos os olhares estavam voltados para mim, até a águia me olhava com um certo
sorriso nojento. Na verdade, já estava bem, parece que os poucos segundos foram
suficientes para o corpo eliminar todo o álcool absorvido durante o dia, a
cabeça não doía mais, teria total condição de um recomeço, mas a vergonha era
grande, fingi que ainda estava horrível e pedimos a conta.
Perdi as amigas, de novo um encontro às escuras
fora amaldiçoado, tudo bem, nada era pior do que estava por vir, o Zico, o
Sócrates e o Júlio César perderam pênaltis no mesmo jogo e fomos eliminados
pela França, quer mais, a Argentina foi campeã. Nunca mais fui à Paulista.
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