quarta-feira, 29 de abril de 2020

Proibido para menores de dez anos

Nunca entendi a proibição para menores de dez anos, oras, ou pode criança, ou não. O que muda no comportamento entre os oito e onze anos, no meu ponto de vista, nada, como diz um velho amigo, é a idade do armário, tranca com cinco e solta com quinze. Lembro que fui assistir “Tubarão” e “King Kong”, com medo de ser pego pelo lanterninha ou pelo bilheteiro, pois era somente para MAIORES de DEZ anos, chatice.
Estava com sete anos e meus primos de Bauru vieram me visitar, era dois, o mais novo com dois anos a mais que eu, o mais velho “já” com a maioridade primária, doze. Sábado à tarde fomos passear no Ibirapuera e almoçar sei lá onde, voltamos já anoitecendo, quando mamy fez a proposta indecente, ela iria com o mais velho ao teatro e depois buscaria os restantes para a janta, resmunguei um absurdo, mas de nada adiantou, seria impossível ir de encontro com o destino, a preferência de mamy pelo sobrinho querido e primogênito era clara e escancarada (digna de história própria, a ser contata em breve). Restara-nos, a mim e seu irmão, acatar tal decisão e nos renegar à espera. Aprontaram-se e na saída mamy foi enfática: estejam prontos tal hora, que passarei para buscá-los, ordens dadas, saíram para a diversão.
Olhamos um para o outro, na TV nada que prendesse a atenção, resolvemos brincar. Carrinhos de ferro espalhados pelo chão, durou pouco tempo, a monotonia era catalisada pela raiva de termos sido deixados de lado. Na dispensa tinha um volante de carro, sei lá porque aquilo estava lá, sempre esteve, boa pergunta, enfim lembrei dele e resolvemos brincar de motorista versus milionário, onde a cada período as posições se trocavam e quem servia passava a ser servido. O itinerário era sempre o mesmo, sofá arrumado em formato de limusine, motorista “abria” a porta e levava o milionário, que sempre estava acompanhado de uma belíssima mulher, ao restaurante chique. Volante preso a um cabo de vassoura e “vrum”. Chegando ao restaurante - por passe de mágica - o motorista virava garçom e servia guloseimas retiradas da geladeira e dispensa. Primeira rodada, o guaraná servido em copo de uísque, o pote de amendoim e balas. Segunda rodada, já sem guaraná, fizemos uma jarra de suco de uva, daqueles de saquinho em pó. Terceira rodada, acabara o suco, mas tinha uma garrafa recém-aberta de vinho do porto, o famoso Ramos Pinto, resolvemos utilizá-lo, sem sombra de dúvidas chegamos mais perto da realidade. Quarta rodada. Quinta rodada. Sexta rodada. Sétima rodada. Oitava rodada. Na verdade, a garrafa acabou na quarta rodada, mas da forma que o mundo girava...
O espanto foi nítido quando mamy abre a porta e depara com o filho e sobrinho “desmaiados” no sofá da sala, rindo de tudo e de todos, no banheiro, vestígios claros de todas as idas virtuais aos “melhores restaurantes da cidade”. Fomos levados direto para debaixo do chuveiro, de roupa e tudo a água gelada escorria pelo corpo e congelada a alma, a risada deu lugar rapidamente a uma dor de cabeça insuportável, o gosto na boca relembrava a todo instante a burrice que praticamos, além de todos esses efeitos colaterais, ainda tivemos que ficar ouvindo, de forma insistente e repetitiva, o primogênito berrar em nossos ouvidos sobre a noite perfeita que estragamos. Oras primo, noite perfeita para você, não. Mamy e seu querido sobrinho vasculharam os armários a procura de restos mortais e migalhas, esse foi o seu jantar, fomos todos dormir, no nosso caso, de forma rápida e pesada.
Acordamos daquele jeito, a feição de poucos amigos do primo mais velho já se fazia notar no café da manhã de domingo. Após longo silêncio perguntamos como tinha sido a peça de teatro, ele, empolgado e querendo se mostrar, contava detalhes que certamente nem ele havia notado, terminada a longa e chata explanação veio a reclamação. Imediatamente olhei para o outro primo e, cortando, começamos a contar sobre os lugares maravilhosos que havíamos visitado, os sabores e temperos que experimentamos, o melhor elixir saboreado e todas as mulheres interessantes que conhecemos.
Nossa primeira bebedeira e nossa imaginação ganharam de longe daquela peça boba para criança maior de DEZ anos .....

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