quarta-feira, 29 de abril de 2020

Tio Sam - primeira parte

Era maio de 1976, acabara de completar oito anos, o presente que fazia parte da lista de desejos de toda criança foi anunciado, vamos à Disney. Ah, como os dias ficaram longos, as férias de julho pareciam cada vez mais distantes, sonhando acordado e de mala pronta esperei, quanto mais próximo chegava da data de embarque, mais difícil era pegar no sono, a expectativa era enorme, acredito que normal dentro das circunstâncias. Quatro de Julho, desembarcamos em Miami, onde seria a primeira fase da viagem, tudo estava uma confusão, era somente o centenário da independência americana e como os caras são ultranacionalistas, até os hambúrgueres eram servidos com uma bandeira fincada no pão.
O hotel era em formato de “U”, no vão interno havia um chafariz grande e muito performático, do corredor de acesso aos apartamentos era possível avistar por cima a dança das águas. Na abertura do “U” se dava o acesso à área de lazer, onde piscinas, quadras, restaurantes e o mar poderiam ser saboreados e utilizados, um bom hotel, tudo muito arrumado e de organização impecável, belo.
No quarto, duas camas de solteiro seriam nossas “descansa ossos”, o dividiríamos durante essa etapa da viagem, o banheiro era posicionado ao lado esquerdo da porta de entrada. Malas sendo abertas, uma arrumação básica, troca de roupas, estava sedento por estrear toda a estrutura recreativa, de saída, fui chamado para uma “reunião introdutória”, do tipo isso pode, isso não pode, se acontecer isso faça aquilo, e assim vai, neste momento também fui agraciado com uma boa parte do dinheiro trazido e fui instruído, isso é para toda a viagem – seriam 30 dias – acabou, acabou, então cuide bem. Novamente, para quem já vendeu limões... peguei uma pequena parte, guardei o resto e fui.
A lembrança que tenho da piscina é de gigantismo, certo que essa impressão se dera pelo meu tamanho, ou ambos. Vestia um short modelito anos 70, no pé um “Adidas” de couro branco com as famosas três listras, uma camiseta vinho claro e vinho escuro alternadas em faixas verticais. Cinco minutos se passaram e havia feito a primeira amizade, um garoto de mesma faixa etária, americano, que tinha o mesmo interesse em mímica, pois era nosso método de comunicação, no que ficamos especialistas, pois, ao final do dia quando retornei ao quarto, estava calçando um “All Star” azul escuro, que havia trocado no pau a pau com o moleque. Esse tênis era um sonho de consumo, nessa época só entravam no Brasil por meio dos ilícitos vendedores de contrabando, ou através de algum parente que fosse visitar o tio Sam, aquele era o primeiro da minha vida, ainda teve um gosto de negócio bem feito, perfeito, uma parte do dinheiro destinado a essa compra já estava economizado. Primeiro dia terminara, estava realizado, aquela viagem seria promissora.
Passeamos pela cidade, voltamos final de tarde, àquela época não tínhamos o hábito do horário de verão, portanto demorou a acostumar com a claridade até as nove ou dez horas, o combinado seria um breve descanso, um banho e sair para jantar. Fui o primeiro a me aprontar, mamy ainda estava no banho quando resolvi sair do quarto e apreciar o chafariz, deixei a porta aberta e fiquei olhando do alto do décimo segundo andar, a vista mostrava não só o esguichar das águas, mas também os que adentravam no hotel e também em seus quartos. Fiquei parado por alguns minutos, me virei e fui em direção ao quarto, a inquietude se manifestara, ao lado da porta, numa altura de mais ou menos 30 cm do chão, havia uma pequena caixinha, de cor bege clara – combinando com a decoração do local – fechada e com uns dizeres em preto, abaixei, olhei, tentei decifrar, abri.
Um som muito alto, estridente e intermitente soou imediatamente após a “defloragem” da caixinha, teria sido o causador daquele transtorno? não iria ficar ali parado e me denunciar, entrei no quarto, no momento que estava fechando a porta mamy saiu do banheiro, ainda de toalhas enroladas ao corpo e gritando sobre o alarme de incêndio, que precisávamos sair apressadamente. Pensei sobre as consequências e agi rápido, me denunciei contando o fato ocorrido, quando esperava a mega bronca, ela, pensou sobre as consequências e agiu rápido, vamos sair correndo, se somente nós ficássemos no quarto ou saíssemos sem pressa, essa atitude nos denunciaria, se vestiu rápido, corremos.
Descer as escadas foi cansativo e, apesar da alta densidade, as pessoas estavam bem calmas e ordenadas, primeiro mundo até na hora do desespero. Chegamos ao saguão principal junto das primeiras unidades dos bombeiros, que “chegam chegando”, carregando machados, mangueiras, maletas e tubos de oxigênio, vão vasculhando tudo. A confusão era generalizada, pessoas gritando, os brazucas da excursão reclamavam sobre seus pertences abandonados nos aposentos, falando sobre a má sorte logo na segunda noite, mamy se juntava às conversas, contudo sabia que a sua principal preocupação era outra. Duas horas do acontecido e fomos liberados para voltarmos à vida normal, foi detectado um alarme falso, como sou muito sortudo, a tecnologia ainda não detectava a origem do mal. Voltamos ao quarto, agora com os elevadores liberados, e combinamos que este assunto seria de divulgação proibida, acordo feito. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário