Com dezesseis anos tinha um
carro à disposição, era um gol com uns 4 anos de vida, azul claro, motor
refrigerado a ar, uma verdadeira carroça pela concepção do presidente Collor.
Não entendam como uma reclamação, o possante me acompanhava - às vezes carregava
- a todas as baladas da época. Era um herói, já havia sofrido muito na mão
deste amador, um dos seus para-lamas era pintado em um azul mais claro ainda,
depois de uma batida nunca acertaram a cor exata, ficou.
Certo sábado à noite convidei uma amiga de colégio para uma volta,
antes disso, conversei com os amigos do prédio e combinei que voltaria a tempo
de terminarmos a noite em alguma balada, horários marcados com ambos, saí a
busca da garota. Por volta das nove estava na frente do prédio dela, assim que
entrou começamos a longa decisão de onde ir, acabamos aportando no “Speak
Easy”, um boteco legal nos jardins, que tinha como principais atrativos uma
mesa de sinuca e uma pista de dardos, sentamos e conversamos. O papo estava
gostoso, contudo os ponteiros se adiantavam rapidamente e apontavam para o
horário do segundo encontro, dei a velha e boa desculpa de cansaço e fomos em
direção à sua casa. Estávamos na Alameda Santos, paralela à Paulista na região
dos Jardins, quando surgiu o assunto sobre preferência nos cruzamentos, logo
dei uma de entendido e me pus a dissertar sobre o assunto. Em um cruzamento
simples, quem vem da direita tem a preferência de passagem, salvo cruzamentos
com farol ou com placas de sinalização específica. Passamos pelo primeiro cruzamento,
estávamos à direita, passei direto. Segundo cruzamento, esquerda, parei. Outro
à esquerda, parei novamente, e mostrava o comportamento dos outros veículos.
Chegara mais um onde estaria à direita, acelerei, olhei para o lado do
passageiro, reforcei a regra e BUM.
Um opala sinistro, conduzido por quatro indivíduos igualmente sinistros
e analfabetos em legislação de trânsito, passou a toda pelo dito cruzamento. O
impacto foi tamanho que jogou meu pobre Golzinho em cima da calçada, fazendo
abalroar um Santana que ali estava estacionado e ainda derrubar um poste de
sinalização. Olhei para o lado e percebi que, apesar da força da batida e da
não obrigatoriedade de usar cintos de segurança, minha companheira nada havia
sofrido. Desci pulando pela janela, saltando por cima do Santana e chegando à
rua, fui ao encontro dos ocupantes do opalão, eles ainda estavam atordoados, um
pouco pela batida e muito pela condição alcoólica antes da batida. Logo o dono
do Santana, que bebia nos bares da esquina, chegou e, desolado, via seu carro
em cima da calçada, semidestruído. Chamei todos num canto e comecei o discurso.
A culpa teria que ser minha, pois eu não tinha carta, contudo se isso
aparecesse nos laudos policiais, eu não iria pagar ninguém, então eu chamaria
mamy, que assumiria a direção e culpa, aí acionaríamos o seguro e tudo certo.
Acordo feito, fui ao orelhão.
Devia ser uma hora da manhã passada quando o telefone de casa toca,
mamy atende desorientada, contudo na certeza de maus agouros, prontamente foi
ao encontro do pupilo. Pegou um taxi e em poucos minutos estava chegou ao
fatídico cruzamento, como a pressa fora imensa, até porque ela teria que chegar
antes da polícia, ela apareceu de penhoar e “bob” no cabelo, uma formosidade.
Meus amigos que já me esperavam no prédio, viram-na saindo apressada, logo
deduziram que alguma tragédia acontecera e correram através do provável caminho
que eu teria feito, chegaram minutos após a mamy. A polícia foi a última, como
de praxe.
Com o fuzuê armado, os guardas tentavam entender o porquê da minha mãe
querer insistentemente assumir a culpa, sendo que ela estava na preferencial
quando o opalão cruzou – viu, eu estava certo – mas não teve jeito, mamy dizia
que ela se distraíra e que a culpa era dela, assim foi. Chamamos um taxi para
levar a amiga para casa e o guincho para tirar a sucata dali. Os guinchos de
antigamente não eram as plataformas modernas que temos hoje, eles simplesmente
engatavam a frente do carro e, a 45 graus, o puxava. O guincheiro informou que
alguém teria que ir dentro do carro rebocado, também praxe da época, me
prontifiquei, mas fui negado, teria que ser alguém com carta de habilitação,
mamy era a segunda da fila.
Já era manhã de domingo quando o guincho entrou
pela Paulista, puxando o carro semidestruído e com mamy ao volante, o traje –
penhoar e bob – ficava mais chamativo à luz do dia, eu e meus amigos fazíamos
questão de, a cada semáforo, parar ao lado e gritar, “vai dona Maria, vai pro
tanque”, não era difícil encontrar outros transeuntes pegando carona na zoeira.
Carro na oficina, chegamos em casa, ao fechar a porta já imaginava o discurso,
mas não esperava tamanha intensidade. Do carro, não disse uma palavra, agora
falou durante meses da vergonha que passou tendo que andar de guincho, ainda
mais vestida daquela forma.
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