Na faixa entre meus onze e quatorze
anos, tinha uma vida muito ativa e agitada, toda tarde descia até o PG
(playground) do prédio, onde me juntava aos outros 13 amigos vizinhos e
iniciávamos nossas brincadeiras diárias, variava entre jogar futebol ou vôlei,
pega-pega ou polícia e ladrão, bicicleta ou carinho de rolimã, o importante era
não ficar parado. Claro que virava e mexia eu me contundia, até porque o peso
extra que carregava na região abdominal favorecia as lesões, portanto era
normal eu voltar para casa com roxos ou distensões.
Esse dia não fugiu desta
normalidade e voltei reclamando da dor lancinante que sentia no tornozelo
esquerdo. Por outra coincidência da vida, justo nesse dia mamy chegara em casa
depois de sua labuta diária contando que havia torcido o pé direito, em seu
retorno para casa, mostrando-o inchado e também reclamando de dor, resultado,
ambos em direção ao Hospital do Servidor Público de São Paulo, localizado no
Ibirapuera, que atende aos funcionários públicos do Estado, e como toda
autarquia pública, tem lá suas limitações.
Ao chegar ao balcão, ficou notória a expressão de curiosidade da
atendente quando explicamos que ambos, mãe e filho, estavam machucados e
gostariam de passar pela ortopedia, solicitação atendida nos dirigimos à sala
de espera do médico. A chamada era por nome, as tão habituais senhas
eletrônicas de hoje não existiam à época, ao chamar pelo nome da mãe entramos
ambos. O médico com nossas fichas logo perguntou o que havia acontecido,
contamos nossas histórias distintas e ainda rimos sobre a simultaneidade das
lesões, fomos imediatamente encaminhados ao Raio X. Primeiro o filho, depois a
mãe, chapas tiradas aguardamos a revelação, logo o técnico apareceu com os dois
grandes envelopes na mão e os entregou à mamy, voltamos ambos mancando ao
consultório médico.
O doutor foi enfático, o pé do filho está com o osso trincado e deveria
ser engessado por 40 dias, já o da mãe seria apenas uma luxação que deveria ser
tratado a base de medição. Ordens aceitas e nos dirigimos à sala de gesso, onde
sentei numa maca de alumínio e aguardei pacientemente todo o processo de molde
da bota engessada, enquanto isso fazíamos planos de como seria nossa rotina nos
dias em que deveria permanecer sem colocar o pé no chão. Serviço pronto, me
colocaram em uma cadeira de rodas e a própria mamy a empurrou, ainda com
dificuldade, pelos corredores do hospital até o estacionamento, onde me ajudou
a entrar no carro e nos levou para casa.
Mamy resolveu trocar de quarto para dar-me maior conforto, eu ficaria
com a cama de casal enquanto ela iria para meu quarto, isso durante o longo e
doloroso período até minha recuperação. Acomodado em meu novo aposento chegou a
janta, trazida em uma bandeja, realmente o conforto e tratamento era especial e
maior do que já tinha habitualmente. Mamy se juntou a mim para assistirmos TV,
preocupada comigo não deixava um intervalo sem perguntar como me sentia, sempre
que dizia que estava bem ela reclamava da dor em seu pé, mostrando o inchado e
comentando que seria difícil ir trabalhar no dia seguinte, mas tinha compromissos
inadiáveis e resolveu que iria de taxi. Quando acordei mamy já não estava mais
em casa, contudo deixou a mesa do café pronta e um bilhete sobre cuidados e
melhoras. Foi um dia bacana, logo após o horário do almoço recebi várias
visitas, amigos e amigas assinaram o gesso e me tratavam como um rei, era só
pedir e num passe de mágica meus desejos eram atendidos.
A porta se abriu mais cedo do que o normal, mamy voltara antes para
casa, chegou no quarto e comentou que não aguentava de dor, que o sapato a
estava matando e por isso resolvera vir descansar e colocar o pé para cima.
Quando me mostrou o bicho estava feio mesmo, além do inchaço do dia anterior,
que já era maior, a cor era tenebrosa, o roxo escuro tomava conta desde as
pontas dos dedos até o tornozelo. Realmente uma imagem assustadora, disse a ela
que deveríamos voltar ao hospital, ela inicialmente recusou e argumentou que
havíamos acabado de voltar de lá, mas insisti e acredito que o incomodo era
grande, pois aceitou e lá fomos nós ao Servidor. Quando entramos na sala do
médico, com as chapas tiradas no dia anterior, ele as viu e disse que estava
certo, o pé do filho com uma trinca e o da mãe sem nada, contudo vendo o estado
do pé ao vivo, também achou estranho e mandou tirarmos novas chapas, ambos
fomos repetir os passos do dia anterior.
A desilusão foi clara e
imediata, minha vida de rei mal começou e já fora interrompida. As chapas
haviam sido trocadas e quem estava com o pé quebrado era a mamy, quando tiraram
o meu gesso sai pulando sem qualquer restrição, mamy não sabia se berrava com
os funcionários do hospital ou se ria, em muitas vezes esses sons se misturavam
e ficavam irreconhecíveis, desculpas pedidas e não aceitas, fomos para casa.
Quartos destrocados e a bandeja montada, agora eu servindo o jantar na cama.
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