Como todo bom filho a casa
sempre torna, todas minhas férias eram sagradas, interior, o destino não se
discutia, a casa do tio, nestes tempos, Pirajuí. Cidade pequena e pacata, de significado
Tupi “Rio de Peixe Espinho”, localizada no centro do estado e atualmente com 25
mil habitantes, imaginem à época.
Por vezes mamy (assim a chamarei carinhosamente por todas as minhas
histórias) me colocava no ônibus em São Paulo e meus tios me pegavam na
chegada, sempre me virei bem, isso não me assustava, pelo contrário, apreciava
as situações onde as decisões eram somente minhas, estamos falando da idade
perto dos oito anos. Sem grandes preocupações, o único ponto crítico era a
parada do ônibus para lanche e banheiro, o que comer, quanto tenho de grana,
ficar de olho para não me largarem lá, feito isso o resto é sossegado. Para
quem já havia negociado limões, tirava de letra. Por essa e outras, não entendo
muito que, nos dias atuais, meninos nessa faixa de idade mal saem de casa sem
estar de mão dada e dividem suas maiores diversões entre vídeo games,
computadores e brincadeiras dentro de condomínios murados e cercados
eletronicamente.
Nas férias, uma de minhas atividades preferidas era andar de charrete,
adorava cavalos e passava horas rodando pela minúscula cidade interiorana, lá,
elas também serviam de taxi, então combinado o tempo do passeio, era montar e
curtir. Comumente eu passava uma tarde inteira entre idas e vindas, meus tios,
com grande responsabilidade, monitoravam esses passeios.
A tarde era quente, como todo o verão na região, avisei sobre minha
vontade e chamamos o charreteiro, diziam que a maioria me conhecia pelo nome,
não me lembro, apareceu um rosto familiar, montei. O trajeto se baseava em ir
até o fim da cidade, andar um pouco pelas estradas de terra, que cortavam
fazendas de cana e gado, voltar e chacoalhar pelas ruas ainda de
paralelepípedos. Neste dia o motorista resolveu mudar o trajeto, disse que
precisava passar em um local e se eu me importaria, disse que não, uma puxada
no reio e seguimos nova rota.
Chegamos ainda com sol a pino, era uma casa à beira da estrada, com
grande recuo até sua entrada principal, algumas pessoas bebiam e conversavam na
varanda e na sala de tamanho médio quase sem móveis, uma música regional em tom
baixo percorria os ambientes, encontrada uma sombra, o cavalo foi amarrado no
tronco daquela que a produzia, descemos, entramos. Uma senhora de sorriso fácil
e muito falante cumprimentou o charreteiro e foi logo me puxando pelos braços,
um convite convincente a adentrar a casa. Esticou uma toalha surrada sobre uma
mesa de madeira feita lá mesmo nos fundos e bateu a mão no assento da cadeira,
sentei. O que quer menino, com essas palavras a senhora me indicou uma redoma
térmica de vidro, onde se abrigavam alguns tipos de salgados, enquanto olhava e
escolhia, o charreteiro foi resolver suas pendências. Uma coxinha foi a
escolha, gostosa, fresca e frita há poucos minutos, mais uma, seguida de um
refrigerante servido direto no copo, fiquei aguardando, olhando o movimento das
pessoas que lá estavam, muita conversa, muita risada, pareciam todos alegres e
felizes.
Algum tempo de aguardo, ressurge o homem. Vamos garoto, levantei e
segui prontamente meu provisório tutor, confesso que sou bastante ativo e
aquela espera já estava me perturbando, sem pestanejar corri para nosso carro e
me ajeitei para a viagem de retorno. Pouco tempo depois já adentrávamos a
cidade e seguíamos para casa. A volta foi quieta, estava farto das duas enormes
coxinhas e do refrigerante, o balançar ajudava a má digestão, ele não puxou
prosa e o silencio só acabava quando ele soltava rápidos e silenciosos suspiros.
Na última curva já avistamos, ao longe, a figura de minha tia na porta
da casa, preocupada com o tempo que decorrera desde nossa saída, sinceramente
não me pareceu muito, contudo acredito termos exagerado pela feição pouco
amigável que nos aguardava. Certa bronca foi lançada ao homem enquanto
pagávamos pela corrida, ele se foi, nós entramos. Na sala estava meu tio,
sentado, logo levantou
- Então, apareceu!
Tudo indicava que
extrapolamos de fato, perguntas e mais perguntas, com níveis de detalhes que eu
mesmo mal lembrava, minutos depois, risadas. Aquelas foram as duas primeiras
coxinhas que eu comera numa “zona” em minha vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário