A terceira e última parte de nossa viagem chegara,
estávamos em NY, a cidade dos sonhos de consumo e das novidades, visto que
nesta época as importações eram proibidas no Brasil e tudo do bom e melhor
ficava do lado de fora, novamente nos alojamos em um hotel na região central,
apesar de que mal sabia onde ficava o norte ou o sul. As instruções foram
repassadas nos mínimos detalhes, incluindo pormenores detalhistas ao extremo,
porém, nada adiantou, bastou a primeira tarde para que mamy se aprontasse para
uma noite nova iorquina e eu desci ao lobby do hotel, desta vez nada de
crianças, os adultos passavam como se estivessem sempre apressados, mal olhavam
nos olhos uns dos outros, nem sequer aquele balançar de cabeça incitando um
cumprimento era visto, me senti deslocado do ambiente, então resolvi dar uma volta
pela rua mesmo. Ainda estava claro quando comecei minha jornada, uma enxurrada
de pessoas indo e vindo, seus destinos pareciam certos, pois suas passadas eram
firmes e largas. Bem vestidas e mal-humoradas, logo esta impressão ficou.
Muitas lojas, muitas novidades, assim ficou difícil
andar em linha reta, conforme plano inicial, pois seria somente girar cento e
oitenta graus e retornar, tentei fixar bem as quadras em que virei, marcando os
pontos de referência, e contando tantas quadras, uma curva a direita, tantas
outras, curva a esquerda, e assim fui. Não demorou muito para a tarde se
transformar em noite, apesar do sol ainda relutar em dormir e soltar raios no
horizonte, a lua já se fazia presente e a escuridão se esvaia com o ascender da
iluminação pública. Sinceramente não me recordo do quanto tempo se passara,
como sempre a fome anunciou sua chegada e procurei algo para comer, apesar das
inúmeras lanchonetes, fiquei relutante em entrar sozinho e “mimicar”
solicitando algo, optei por entrar em um supermercado, achei que seria mais
seguro e menos estranho, afinal quantos garotos andam pelos corredores dos
mercados enquanto suas mães ali fazem compras. Aproximei-me do corredor das
bolachas e admirei a variedade, tentava decifrar o conteúdo de cada pacote, um
mais belo e tentador que outro, peguei dois pacotes e quando estava virando
para ir em direção às bebidas fui pego por um homem alto, de cabelo e barba bem
feitos, usava um terno e uma capa de chuva como sobretudo, fiquei olhando
fixamente para ele enquanto ele dizia palavras indecifráveis para minha
cultura, alguns segundos se passaram quando ele iniciou uma conversa em
português – você não está na excursão brasileira? Demorei certo tempo para
responder, tentei pensar nas consequências das possíveis respostas, dizia que
não e tentaria voltar ao hotel sozinho ou dizia a verdade e certamente novas
broncas seriam ouvidas, bem, a sorte não bate tantas vezes à porta, disse sim.
Fui acordado para tomarmos o café da manhã, tentei
relutar em vão, mamy insistira, descemos. A noite fora tranquila demais, afinal
quando chegamos, mamy estava em algum show ou boate da cidade, fui dormir
pensando em como fazer para nunca mais encontrar aquele homem, isso também
funciona, contar homens de terno ao invés de carneiros. Logo na entrada do
salão avistei o dito cujo e as demais pessoas de nossa excursão, imediatamente
os olhares se voltaram para nossa chegada, enquanto mamy preparava um bom dia
entusiástico, pensava em uma versão menos catastrófica para a história, claro
que não me deram ouvidos, nos crucificaram em bom tom, mamy ficou perplexa e a
toda hora me olhava e solicitava que eu confirmasse a história, só me restava
abanar a cabeça em sentido de positivo, ao final assumi total culpa, dizendo
que ela havia me instruído e que eu descumprira tais recomendações, ficaria de
castigo pelo resto do dia, não iria passear, me conformei, tomei café da manhã
e acompanhei os dois ônibus “brasileiros” saindo para um tour.
Seria nossa última noite na terra do Tio Sam, os
adultos da excursão programaram uma noitada daquelas, contudo ordenaram que
seus filhos mais velhos tomassem conta do pirralho, eu. Os garotos e garotas na
casa dos dezesseis anos certamente acharam um porre a companhia imposta, foram
me buscar e lá fui eu para o quarto de um deles, onde todos se juntaram e
estavam conversando. Logo que os pais saíram o plano diabólico deles foi posto
em prática, ligaram para a recepção solicitando a liberação dos canais “pay per
view”, claro que eu não estava entendendo nada, nem das conversas, nem do que
estava por vir, fiquei mais confuso ainda quando na televisão homens e mulheres,
nus, se esfregavam e se apertavam, aos berros. “Luz Del Fuego” era o nome do
primeiro filme que assistimos, quase ninguém piscava e poucas vezes alguém
tinha coragem de tecer um comentário, as meninas claramente “rubradas” enquanto
os garotos flexionavam os braços tentando mostrar que estariam para chegar na
idade adulta, na verdade, aquilo estava me deixando de saco cheio, só fiquei
porque minha cela não tinha chave.
Último dia, nosso voo noturno ainda estava distante,
implorei a mamy uma visita à Estátua da Liberdade, sem êxito, me respondeu que
não estava ali para ver estátua, disse clara e abertamente que se ela não
quisesse ir, tudo bem, porém eu iria, ela sorriu, se virou de lado e continuou
a se deleitar com a ressaca da noitada, aquilo foi encarado como um
consentimento. Pegar um taxi e mostrar o panfleto da estátua foi fácil, nos
dirigimos para lá, na chegada o problema maior apareceu, como iria comprar
ingresso para atravessar o braço de mar até a ilha onde repousa, imponente, o
presente francês à América. Fiquei na moita, ao lado da fila de médio tamanho,
quando reparei duas mulheres, com várias crianças falando um dialeto mais
parecido com o de costume, enchi o peito para parecer maior e fui testar pela
primeira vez meu “portunhol”, pensei que seria mais difícil, porém foi só
entregar o dinheiro do ingresso e pedir com muita gentileza, segundos depois
não só tinha o ingresso, como também novos amigos para apreciar o passeio, por
sinal, maravilhoso. O retorno ao hotel foi rápido, tinha medo de perdermos o
avião por alguma travessura minha, quando apareci mamy perguntou onde eu estava
esse tempo todo, respondi que fora visitar a tal da estátua, ela sorriu e me
deu dois tapinhas nas costas, o ar incrédulo e de deboche tomou conta do
ambiente, não acreditara que isso seria possível, voltamos ao Brasil. Ao
desarrumar as malas, já em casa, ela achou várias lembranças da estátua, se
virou e perguntou novamente - onde você foi naquele dia? Esperando mais uma
bronca, errei, ela me abraçou e disse que estava orgulhosa de mim, que apesar
de tudo me ensinara a me virar sozinho.
Passaram-se mais de quarenta anos dessa história,
hoje, gostaria de virtualmente retribuir aquele abraço maroto e dizer, obrigado
mamy.
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