quarta-feira, 29 de abril de 2020

Elk, nada maravilha - parte 2

Crescent City é uma cidade muito pequena, quase um vilarejo com pouco mais de 7 mil moradores. Foi justamente para o hospital(zinho) dessa cidade que fui levado pela ambulância que me resgatou no asfalto. Durante o trajeto fui ouvindo, pelo bombeiro que me acompanhou,  as histórias de acidentes com alces na região, oras se era tão frequente assim porque não colocam um luminoso gigante escrito, “um alce ainda vai te fuder aqui”... ainda tive que ouvir que eu teria sido o primeiro motociclista a ser atingido pelo animal naquele lugar, grande coisa né, não era assim que queria entrar para o Guinness Book.

Após muita dor e alguns exames de imagem, já tínhamos toda a noção do estrago, até que o médico diretor do hospital veio me explicar que eu não poderia ficar ali, pois eles não tinham estrutura para me tratar, e que me levariam para MedFord, Oregon (80 mil habitantes), juro que achei que fizeram isso para me “devolver” para o Estado onde eu havia caído (lá eles tem esse lance estadual muito mais forte que nós aqui), tipo: Oregon, segura essa pica que ela é sua....
A minha viagem tinha ido pela cucuia e o grupo se separou, eu fiquei com o Paulo, e com ele segui de ambulância em direção ao próximo hospital. Foram longas 3 horas de viagem, ele lá na frente conversando com a motorista em um papo super animado - ela era uma gatinha - e eu acompanhado por uma paramédica que mais parecia uma lutadora olímpica de judô, peso extra pesado, só para ter uma ideia essa “mocinha” me colocou e me tirou da ambulância “sozinha”, e olha que essa tarefa não é nada fácil...

Ao chegar no hospital de Medford fui levado a uma sala de procedimentos que mais parecia um centro cirúrgico, onde rapidamente fui rodeado de médicos e enfermeiras, sim, eu era notícia da cidade, todos queriam conhecer o otário que havia – de moto – atropelado um alce. Resolveram ali mesmo colocar o meu punho esquerdo no lugar, então tiraram as talas e foram futricar, a dor era imensa, e como os dois braços estavam imobilizados eles colocaram o soro e medicação via veia do pescoço, em resumo, eu estava na merda.

Comecei a gritar e xingar todos ali, meio atordoado pela dor misturada com medicação pesada, e quanto mais eu xingava mais todos riam, eu era o macaco do circo mesmo, até que depois soube que o que eu xingava em português o Paulo ia traduzindo para o inglês, teve troco.
Já estava amanhecendo quando me levaram para o quarto onde iria passar alguns dias, como o acidente havia sido perto do meio dia do dia anterior, estava esse tempo todo sem comer, e nada serviram, vai entender essa dieta médica americana. Mas antes de continuar nesse assunto, lembro que estava com os dois braços imobilizados e ainda quase sem conseguir me mexer pelas dor das costelas quebradas, então uma simples mijadinha precisava de ajuda, se é que me entendem, além disso eu tomo diariamente um remédio diurético por conta da minha retenção de líquidos, então essas mijadinhas são beeeeem frequentes. No quarto só tinha eu, lógico, e o Paulo, “ taí ” o troco.

No final do dia o Paulo e eu estávamos verdes de fome, e nada de chegar nenhuma bandeja, ele já tinha roubado (sim, roubado) umas bolachas e yogurte da geladeira das enfermeiras mas não ajudou muito e foi atrás de comida, me deixando lá sozinho e faminto. Aguentei né, ele achou a lanchonete, más com medo dos médicos não me trouxe nada. Dormi. Em jejum. Ao amanhecer e ainda sem nenhuma bandeja à vista eu não aguentei mais, chamei a enfermeira e perguntei porque desse jejum médico, ela, graciosa e calmamente abriu a gaveta da mesa da minha cabeceira, retirou um “livro” cardápio e me entregou, dizendo, você não tem restrição nenhuma, e aqui funciona assim, você liga quando quiser, quantas vezes quiser e pede o que quiser desse cardápio. Acho que foi o troco do troco do Paulo, tudo bem vai, justo. Comi um rinoceronte nesse almoço.

 Dois dias depois estava saindo do hospital, pois optei por não ser operado nos USA, se eu não sabia nem pedir comida lá imagina ser operado e ficar semanas lá. Mas tinha um problema que descobri depois que sai do hospital, com as costelas quebradas o meu seguro saúde não permitia que eu pegasse avião, mas antes de tudo isso eu precisava chegar em Los Angeles, então toca mais dois dias de carro (deixei a moto no primeiro hospital e agora alugamos uma minivan) até chegar lá. Eu saí com a roupa de hospital mesmo, sabe aquela de bunda de fora que te dão quando esta internado, pois bem, era isso e uma bermuda, assim cruzei o estado, era uma atração à parte, onde parávamos logo estávamos rodeados de gente perguntando o que tinha acontecido, e quando falávamos do alce então, só faltou sair no jornal (se é que não saiu). Pelo menos a dor ia melhorando a cada dia que passava, mas depois de 1 semana do acidente eu ainda estava preso lá sem permissão médica de voltar. Não aguentei, comprei uma passagem e fugi. Finalmente ia para casa, mas antes disso tinha uma longa viagem pela frente, a poltrona da classe executiva ajudou muito mas na escala no Panamá não aguentei e tive que ir ao banheiro (numero 1, o numero 2 conto em outra ocasião), no enorme aeroporto da cidade do panamá fui atrás de um banheiro, entrei na casinha de deficientes, bem maior e com mais recursos, consegui depois de certo esforço tirar a bermuda e me aliviar, só que quem conseguia colocar aquela bermuda de volta sem os dois braços... atravessei o aeroporto inteiro meio que agachado, de bunda de fora, até a sala de espera do meu voo, onde só aí consegui ajuda para me vestir, lá na frente de todos.

Nem acreditei quando cheguei em casa, ainda teria uma longa jornada de cirurgias e recuperação pela frente, sabia disso, mas sabia também que a segunda viagem de moto no exterior não poderia acabar assim. Imediatamente comecei a planejar a próxima, e um ano e meio depois estávamos embarcando para andar 5 mil kms pela Europa, mas aí é outra história.

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