Crescent City é uma cidade muito
pequena, quase um vilarejo com pouco mais de 7 mil moradores. Foi justamente para
o hospital(zinho) dessa cidade que fui levado pela ambulância que me resgatou
no asfalto. Durante o trajeto fui ouvindo, pelo bombeiro que me acompanhou, as histórias de acidentes com alces na região,
oras se era tão frequente assim porque não colocam um luminoso gigante escrito,
“um alce ainda vai te fuder aqui”... ainda tive que ouvir que eu teria sido o
primeiro motociclista a ser atingido pelo animal naquele lugar, grande coisa
né, não era assim que queria entrar para o Guinness Book.
Após muita dor e alguns exames de
imagem, já tínhamos toda a noção do estrago, até que o médico diretor do
hospital veio me explicar que eu não poderia ficar ali, pois eles não tinham
estrutura para me tratar, e que me levariam para MedFord, Oregon (80 mil
habitantes), juro que achei que fizeram isso para me “devolver” para o Estado onde
eu havia caído (lá eles tem esse lance estadual muito mais forte que nós aqui),
tipo: Oregon, segura essa pica que ela é sua....
A minha viagem tinha ido pela
cucuia e o grupo se separou, eu fiquei com o Paulo, e com ele segui de
ambulância em direção ao próximo hospital. Foram longas 3 horas de viagem, ele
lá na frente conversando com a motorista em um papo super animado - ela era uma
gatinha - e eu acompanhado por uma paramédica que mais parecia uma lutadora olímpica
de judô, peso extra pesado, só para ter uma ideia essa “mocinha” me colocou e
me tirou da ambulância “sozinha”, e olha que essa tarefa não é nada fácil...
Ao chegar no hospital de Medford
fui levado a uma sala de procedimentos que mais parecia um centro cirúrgico,
onde rapidamente fui rodeado de médicos e enfermeiras, sim, eu era notícia da
cidade, todos queriam conhecer o otário que havia – de moto – atropelado um
alce. Resolveram ali mesmo colocar o meu punho esquerdo no lugar, então tiraram
as talas e foram futricar, a dor era imensa, e como os dois braços estavam
imobilizados eles colocaram o soro e medicação via veia do pescoço, em resumo,
eu estava na merda.
Comecei a gritar e xingar todos
ali, meio atordoado pela dor misturada com medicação pesada, e quanto mais eu
xingava mais todos riam, eu era o macaco do circo mesmo, até que depois soube
que o que eu xingava em português o Paulo ia traduzindo para o inglês, teve
troco.
Já estava amanhecendo quando me
levaram para o quarto onde iria passar alguns dias, como o acidente havia sido
perto do meio dia do dia anterior, estava esse tempo todo sem comer, e nada
serviram, vai entender essa dieta médica americana. Mas antes de continuar
nesse assunto, lembro que estava com os dois braços imobilizados e ainda quase
sem conseguir me mexer pelas dor das costelas quebradas, então uma simples
mijadinha precisava de ajuda, se é que me entendem, além disso eu tomo
diariamente um remédio diurético por conta da minha retenção de líquidos, então
essas mijadinhas são beeeeem frequentes. No quarto só tinha eu, lógico, e o Paulo,
“ taí ” o troco.
No final do dia o Paulo e eu
estávamos verdes de fome, e nada de chegar nenhuma bandeja, ele já tinha
roubado (sim, roubado) umas bolachas e yogurte da geladeira das enfermeiras mas
não ajudou muito e foi atrás de comida, me deixando lá sozinho e faminto. Aguentei
né, ele achou a lanchonete, más com medo dos médicos não me trouxe nada. Dormi.
Em jejum. Ao amanhecer e ainda sem nenhuma bandeja à vista eu não aguentei mais,
chamei a enfermeira e perguntei porque desse jejum médico, ela, graciosa e
calmamente abriu a gaveta da mesa da minha cabeceira, retirou um “livro”
cardápio e me entregou, dizendo, você não tem restrição nenhuma, e aqui
funciona assim, você liga quando quiser, quantas vezes quiser e pede o que
quiser desse cardápio. Acho que foi o troco do troco do Paulo, tudo bem vai,
justo. Comi um rinoceronte nesse almoço.
Dois dias depois estava saindo do hospital,
pois optei por não ser operado nos USA, se eu não sabia nem pedir comida lá
imagina ser operado e ficar semanas lá. Mas tinha um problema que descobri
depois que sai do hospital, com as costelas quebradas o meu seguro saúde não
permitia que eu pegasse avião, mas antes de tudo isso eu precisava chegar em Los
Angeles, então toca mais dois dias de carro (deixei a moto no primeiro hospital
e agora alugamos uma minivan) até chegar lá. Eu saí com a roupa de hospital
mesmo, sabe aquela de bunda de fora que te dão quando esta internado, pois bem,
era isso e uma bermuda, assim cruzei o estado, era uma atração à parte, onde
parávamos logo estávamos rodeados de gente perguntando o que tinha acontecido,
e quando falávamos do alce então, só faltou sair no jornal (se é que não saiu).
Pelo menos a dor ia melhorando a cada dia que passava, mas depois de 1 semana
do acidente eu ainda estava preso lá sem permissão médica de voltar. Não aguentei,
comprei uma passagem e fugi. Finalmente ia para casa, mas antes disso tinha uma
longa viagem pela frente, a poltrona da classe executiva ajudou muito mas na
escala no Panamá não aguentei e tive que ir ao banheiro (numero 1, o numero 2
conto em outra ocasião), no enorme aeroporto da cidade do panamá fui atrás de
um banheiro, entrei na casinha de deficientes, bem maior e com mais recursos,
consegui depois de certo esforço tirar a bermuda e me aliviar, só que quem
conseguia colocar aquela bermuda de volta sem os dois braços... atravessei o
aeroporto inteiro meio que agachado, de bunda de fora, até a sala de espera do
meu voo, onde só aí consegui ajuda para me vestir, lá na frente de todos.
Nem acreditei quando cheguei em casa, ainda
teria uma longa jornada de cirurgias e recuperação pela frente, sabia disso,
mas sabia também que a segunda viagem de moto no exterior não poderia acabar
assim. Imediatamente comecei a planejar a próxima, e um ano e meio depois estávamos
embarcando para andar 5 mil kms pela Europa, mas aí é outra história.
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