Estava com 14 anos quando
meu primo mais velho, recém-formado, arrumara um emprego na capital e veio
morar conosco, chegava a ser irritante a “puxação” de saco de mamy, ela estava
irradiante com os seus “dois filhos” em casa. Perdi minhas regalias, mas ganhei
um irmão, coisa que nunca havia tido. Agora podia trocar experiências e fazer
perguntas dantes somente respondidas na rua. Tenho que revelar que foi uma boa
época, apesar da divisão.
Com ele veio um Fusca, cinza, velho, onde seu maior atrativo era um
alto falante de 16polegadas, único, que reinava na tampa traseira e fazia a
velha carcaça tremer a cada batida grave emitida pelo Pionner prateado
estampado no simples painel. Nessa época minhas idas à Bauru se intensificaram,
de duas a três idas anuais passei a visitar minha terra natal a cada quinze
dias, a facilidade da carona era notória. Contudo todo bônus tem seu ônus, o
fusca não chegava à Bauru com um tanque de gasosa, e àquela época, os postos,
por determinação de lei fechavam à noite, o que restava era carregar um galão
de 15 litros de gasolina no banco traseiro, quando não dividia o pequeno piso
com nossos pés, em viagens com maior quórum.
As longas viagens eram demoradas, o que fazemos hoje em duas horas e
pouco, de fusca levava quatro a cinco, contando com a parada obrigatória para
encher o tanque com a mangueira que sempre deixava gosto amargo na boca. As
voltas eram piores, afinal era sempre domingo e o pensamento de início de
semana fazia os ponteiros andarem com grande vagarosidade. Isso trouxe um
hobby, sempre contava quantas faixas intermitentes da estrada passavam, contava
de um até quanto aguentasse, normalmente chegava a cem. Isso cansava e me fez
dormir na primeira e talvez na segunda volta, na terceira até isso me chateava,
meu espírito ansioso se fartou de tanto marasmo, comecei assim a contar de
forma diferente.
Passava uma faixa, contava um. Passava mais duas até contar dois, quando
passavam três faixas contava três, e assim sucessivamente. Isso trouxe uma
atenção diferente, pois além de demorar muito mais para chegar a um número
final maior, obrigava a um maior controle, fazendo o tempo passar rápido. Porém
logo chegara a inquietação, quantas faixas haviam passado quando cheguei a
contar cinquenta. Comecei os testes e mais testes. As luzes de São Paulo já se
faziam presentes quando finalmente cheguei a uma equação. Bastava elevar ao
quadrado o número final, dividir por dois e subtrair o resultado por metade do
número inicial, bingo, o resultado aparecia rápida e surpreendentemente.
Para os matemáticos e engenheiros (((x^2)/2)+1/2x) numa conta até dez:
10 ao quadrado = 100 / 2 = 50 + meio 10 = 55. Pronto, a minha nova brincadeira
havia nascido, por mais algumas viagens eu ganharia do relógio e do tédio.
Estava na oitava série, e não tenho ideia do que isso se transformou
hoje, mas, por coincidências da vida era aula de matemática, a professora, uma
japonesa de pouca estatura e minúsculo sorriso entrou na sala, ordenou que os
livros e cadernos fossem fechados e lançou o desafio. Se contarmos 1 + 2 + 3 +
4 .... até 50, quantos números unitários e somados teríamos. Imediatamente a
memória das noites de domingo vieram à tona e identifiquei uma possibilidade de
usar o descoberto.
50 x 50 = 2500 / 2 = 1250 + 25 = 1275
Gritei a resposta lá do fundo da sala, onde reinava solene.
Imediatamente a ilustríssima professora gritou comigo, dizendo que havia sido
clara na ordem sobre o livro fechado, oras, ele mal havia sido aberto durante
todo o ano letivo, àquela ordem para mim ecoou como um alívio. Retruquei sem
sucesso. Em seguida outro desafio, agora olhando fixamente para mim – E se
fosse até mil? Oras,
1000 x 1000 = 1000000 / 2 = 500000 + 500 = 500500
Fui chamado à lousa.
Nunca o trajeto entre a última cadeira e a lousa fora tão grande e
demorado, os olhares de toda a classe eram fichinha perto da indignação da
professora, afinal de contas como o pior dos piores alunos poderia responder às
perguntas sem qualquer tipo de trapaça. Ao chegar à frente fui sabatinado
novamente, faça com 200, faça com 500. Depois de duas respostas corretas,
apesar de certo tempo de raciocínio “exponenciado” pela pressão, ela questionou
o porquê eu havia decorado a fórmula da Progressão Aritmética, pois bem, depois
do xingamento recebido eu contei toda a história, da coincidência de raciocínio
e que nunca havia ouvido falar na tal da fórmula sei lá do que. Desenhei na
lousa a “minha” fórmula.
Como a maioria das professoras, ela me proibiu de usar a tal fórmula
nas provas e disse, em alto e bom tom, que essa sorte não podia ser avaliada
como competência. Que todos ali esquecessem essa passagem e que eu deveria me
esforçar mais para aprender a literatura tradicional ao invés de buscar coisas
novas.
Sorte minha que nunca esqueci, nem da história
tampouco da lição “aprendida”. Que pena de nossas crianças.
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