Apesar de me utilizar do
carro com frequência, não viajava, faltavam dois anos para a carta de alforria
ser liberada pelo Detran, a dependência dos amigos era total quando se tratava
de pegar a estrada. Dois amigos estavam na mesma situação, fomos à caça de
companhia e transporte, achamos um primo de um deles que aceitou o convite para
o feriado prolongado de Páscoa. Acertamos na mosca, além de permissão para
dirigir, ele ainda tinha local para ficar, seu pai acabara de construir 3 casas
geminadas em Caraguá e todas estariam vazias. Destino, praia.
Pais avisados, mochilas nas costas, alguns “tapeware” de feijão, arroz
e mais algumas guloseimas retiradas das geladeiras do trio, era só aguardar
nosso anfitrião. Grande atraso, grande surpresa, eis que surge o dito girando o
molho de chaves das casas e informando que não iria mais, para compensar nos
daria uma carona até a rodoviária, grande merda, fomos.
A placa no guichê da cia de ônibus anunciava a quem quisesse ver que os
lugares para a praia se esgotaram, rodamos várias empresas na tentativa de
desistências, até que desistimos. A melhor opção ofertada veio de um vendedor
de bilhetes que nos indicou a viagem até São José dos Campos e, de lá, pegar
outro até Caraguatatuba, afirmando que para esse segundo trecho a frequência de
carros era grande. Não tinha remédio, remediado estava, vamos à SJC. Na descida
da plataforma a pressa fez com que uma das mochilas rolasse escada abaixo, os
grãos de feijão saltitavam pelos degraus parecendo que já haviam chegado ao seu
destino, o odor nos acompanhou ainda por longo tempo.
Trecho tranquilo, a noite estava quente e iluminada, chegamos em SJC
por volta da virada do dia, saltamos do ônibus e corremos ao guichê que
anunciava venda de passagens para a praia. Só no dia seguinte, à noite não sai
carro não. Essa informação caiu como um balde de água gelada, balde, balde,
falaremos disso mais tarde.
A rodoviária era pequena e toda aberta, mais parecia uma praça com
estacionamento para ônibus e algumas poucas construções para venda de bilhetes,
a lanchonete ficava fechada por uma grade de ferro e ofertava aos olhos seus
quitutes, tortura. Alguns poucos bancos de cimento ou plástico eram disponíveis
aos usuários, procuramos o mais estratégico e aprontamos nossa “cama”, nessa
altura a chuva cortava os raios de luz amarelada emitidos pelos postes da rua.
- Hei, hei, hei, não pode deitar aí não. Apareceu um vigilante ao
longe, vinha gritando e marcando sua passada com a batida do cassetete na botina
nunca lustrada. Tentamos negociar, explicar a situação, mostrar que não éramos
indigentes e que estávamos ali por uma fatalidade, não adiantou. Pode ficar
sentado, deitar não pode. Juro que ainda terei a oportunidade de perguntar a
alguma “otoridade” o motivo desta “lei”. Sentamos, e assim ficamos.
O ronco parecia anunciar um bombardeio aéreo, infelizmente era o
prenúncio de uma belíssima dor de barriga, a primeira ida ao banheiro parecia
uma corrida de 100 mts com obstáculos, entrei no guinness. O banheiro
acompanhava a arquitetura e tamanho do resto, duas portas destinadas ao
reservado, em cada, espaço insuficiente até para ser acompanhado por uma
leitura. O papel fora inspirado na mais bela urtiga, de cor rosada, aparência e
toque áspero, imaginei quantas vezes ainda teria que me utilizar deste
instrumento de tortura.
Poucas visitas se passaram e não conseguia mais olhar para o papel,
precisava pensar em alguma solução, fui passear pela redondeza e estudar
opções. O sorriso não pode ser contido quando avistei um kit de limpeza; rodo,
desprezei; vassoura, desprezei; panos sujos e molhados, desprezei; o balde, ah,
o balde, passou a ser meu companheiro, não havia local que não me acompanhasse,
aquele utensílio ganhou nome e sobrenome, estava salvo, o desconforto da
indisposição ainda persistia, forçou umas várias visitas ao cubículo e agora disputava
com o sono e cansaço, estes motivados pela hora avançada e por não poder deitar
nem tampouco “sentar”.
O sol logo ofuscou as luzes artificiais e o movimento foi aumentando
paulatinamente, as cabines se abriram, a lanchonete permitiu que saboreássemos
os tão cobiçados quitutes e os primeiros “carros” se abrigaram nas plataformas,
corremos ao balcão, queríamos sair dali.
- Caiu barreira, a previsão de saída será para
depois do almoço. Mais uma notícia ruim perturbou a digestão do desjejum,
negociamos com o motorista sobre a possibilidade de aguardarmos a saída dentro
do ônibus, permissão dada, nos aconchegamos nos bancos macios e reclináveis, eu
e meu balde ocupamos duas poltronas, dormimos. Acordamos com o chacoalhar dos
amortecedores trabalhando para fazer as curvas da serra, era final da tarde
quando apontamos na cidade e recebemos a saudação das ondas. Chegamos. Claro
que o feriado e seus “agouros” estavam apenas começando, mas isso fica para a
continuação...
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