quarta-feira, 29 de abril de 2020

Páscoa na Praia . parte 1

Apesar de me utilizar do carro com frequência, não viajava, faltavam dois anos para a carta de alforria ser liberada pelo Detran, a dependência dos amigos era total quando se tratava de pegar a estrada. Dois amigos estavam na mesma situação, fomos à caça de companhia e transporte, achamos um primo de um deles que aceitou o convite para o feriado prolongado de Páscoa. Acertamos na mosca, além de permissão para dirigir, ele ainda tinha local para ficar, seu pai acabara de construir 3 casas geminadas em Caraguá e todas estariam vazias. Destino, praia.
Pais avisados, mochilas nas costas, alguns “tapeware” de feijão, arroz e mais algumas guloseimas retiradas das geladeiras do trio, era só aguardar nosso anfitrião. Grande atraso, grande surpresa, eis que surge o dito girando o molho de chaves das casas e informando que não iria mais, para compensar nos daria uma carona até a rodoviária, grande merda, fomos.
A placa no guichê da cia de ônibus anunciava a quem quisesse ver que os lugares para a praia se esgotaram, rodamos várias empresas na tentativa de desistências, até que desistimos. A melhor opção ofertada veio de um vendedor de bilhetes que nos indicou a viagem até São José dos Campos e, de lá, pegar outro até Caraguatatuba, afirmando que para esse segundo trecho a frequência de carros era grande. Não tinha remédio, remediado estava, vamos à SJC. Na descida da plataforma a pressa fez com que uma das mochilas rolasse escada abaixo, os grãos de feijão saltitavam pelos degraus parecendo que já haviam chegado ao seu destino, o odor nos acompanhou ainda por longo tempo.
Trecho tranquilo, a noite estava quente e iluminada, chegamos em SJC por volta da virada do dia, saltamos do ônibus e corremos ao guichê que anunciava venda de passagens para a praia. Só no dia seguinte, à noite não sai carro não. Essa informação caiu como um balde de água gelada, balde, balde, falaremos disso mais tarde.
A rodoviária era pequena e toda aberta, mais parecia uma praça com estacionamento para ônibus e algumas poucas construções para venda de bilhetes, a lanchonete ficava fechada por uma grade de ferro e ofertava aos olhos seus quitutes, tortura. Alguns poucos bancos de cimento ou plástico eram disponíveis aos usuários, procuramos o mais estratégico e aprontamos nossa “cama”, nessa altura a chuva cortava os raios de luz amarelada emitidos pelos postes da rua.
- Hei, hei, hei, não pode deitar aí não. Apareceu um vigilante ao longe, vinha gritando e marcando sua passada com a batida do cassetete na botina nunca lustrada. Tentamos negociar, explicar a situação, mostrar que não éramos indigentes e que estávamos ali por uma fatalidade, não adiantou. Pode ficar sentado, deitar não pode. Juro que ainda terei a oportunidade de perguntar a alguma “otoridade” o motivo desta “lei”. Sentamos, e assim ficamos.
O ronco parecia anunciar um bombardeio aéreo, infelizmente era o prenúncio de uma belíssima dor de barriga, a primeira ida ao banheiro parecia uma corrida de 100 mts com obstáculos, entrei no guinness. O banheiro acompanhava a arquitetura e tamanho do resto, duas portas destinadas ao reservado, em cada, espaço insuficiente até para ser acompanhado por uma leitura. O papel fora inspirado na mais bela urtiga, de cor rosada, aparência e toque áspero, imaginei quantas vezes ainda teria que me utilizar deste instrumento de tortura.
Poucas visitas se passaram e não conseguia mais olhar para o papel, precisava pensar em alguma solução, fui passear pela redondeza e estudar opções. O sorriso não pode ser contido quando avistei um kit de limpeza; rodo, desprezei; vassoura, desprezei; panos sujos e molhados, desprezei; o balde, ah, o balde, passou a ser meu companheiro, não havia local que não me acompanhasse, aquele utensílio ganhou nome e sobrenome, estava salvo, o desconforto da indisposição ainda persistia, forçou umas várias visitas ao cubículo e agora disputava com o sono e cansaço, estes motivados pela hora avançada e por não poder deitar nem tampouco “sentar”.
O sol logo ofuscou as luzes artificiais e o movimento foi aumentando paulatinamente, as cabines se abriram, a lanchonete permitiu que saboreássemos os tão cobiçados quitutes e os primeiros “carros” se abrigaram nas plataformas, corremos ao balcão, queríamos sair dali.
- Caiu barreira, a previsão de saída será para depois do almoço. Mais uma notícia ruim perturbou a digestão do desjejum, negociamos com o motorista sobre a possibilidade de aguardarmos a saída dentro do ônibus, permissão dada, nos aconchegamos nos bancos macios e reclináveis, eu e meu balde ocupamos duas poltronas, dormimos. Acordamos com o chacoalhar dos amortecedores trabalhando para fazer as curvas da serra, era final da tarde quando apontamos na cidade e recebemos a saudação das ondas. Chegamos. Claro que o feriado e seus “agouros” estavam apenas começando, mas isso fica para a continuação...

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