quinta-feira, 30 de abril de 2020

Mulher Rastejante


Não tenho a menor ideia se isso ainda acontece, mas nos anos 80 era comum as histórias dos fantasmas que perseguiam crianças e adolescentes – sim éramos muito mais ingênuos do que a geração atual – lembro-me de algumas bem populares, a “loira do banheiro” era um clássico e cada escola perpetuava a sua como se fosse a única e verdadeira, ainda tinha a “assassina do elevador” que aparecia em todos os prédios quando anoitecia, a “noiva de branco” virava e mexia também aparecia por aí, sem contar os clássicos fantasmas que apareciam em cenas de filmes – o menino morto em 3 solteirões e 1 bebê me fez perder horas avançando e pausando a fita VHS, e olha que essa tarefa não era das mais simples. Bem, deixando o imaginário popular à parte, nós lá do “prédio” tínhamos o nosso fantasma exclusivo, a “mulher rastejante”, uma senhora que resolveu pular da janela de um andar alto e acabou se estatelando no playground, uma tristeza, mas logo em seguida ela voltou para assombrar todos os moradores (na cabeça dos garotos) rastejando entre os andares pelas escadas e agarrando quem esperava os elevadores nos halls. Posso dizer que realmente ela era temida, tinha alguns porteiros que a noite não utilizavam as escadas de forma nenhuma...

Nessa época era comum fazermos a “brincadeira do copo”, uma idiotice que servia basicamente para nos cagarmos todo de medo de voltarmos para nossas casas – lembra da mulher rastejante -  e passarmos a noite sem dormir direito, não faz muito sentido pensando com o olhar de hoje, mas naquela idade era uma obrigação. Claro que todos tinham medo desses assuntos sobrenaturais quaisquer, mas sempre tem o mais cagão, e esse era um japa com banca de “Jaspion” que na verdade estava mais para “Princesa Safiri” (dá um google).

Aquela noite parecia ser só mais uma noite de brincadeiras e histórias macabras, mas, premeditamos um enfarto do japa. Não sei o porquê raios minha mammy tinha umas perucas, e muito menos porque ela tinha umas cabeças de manequim para guardar essas perucas, era horroroso e horripilante aquelas cabeças dentro do armário, mas iria servir perfeitamente para nossa obra prima.

A preparação tinha que ser perfeita, uma logística e just in time ajustados, enquanto alguns chamaram o japa para nossa “salinha” (salão de festas que usávamos para nos reunir diariamente) os outros foram montar o ambiente, nada mais que ir até o andar dele, colocar no final da escada o manequim cabeça com uma peruca loira, ainda desenhamos uns olhos e boca no manequim, recheamos o que seria a metade de um corpo com almofadas perfeitamente distribuídas pelos degraus em um perfeito efeito de movimento e cobrimos com um lençol branco, para completar a cena ainda acendemos uma vela bem na porta da casa dele e mais algumas ao lado do “corpo” – nada seria possível sem a conivência de seu irmão.

A noite deveria ser especial, teria que gerar muito medo, além dos usuais, e assim começamos com histórias de terror, na sequência entrou o copo e culminou com as lembranças dos aparecimentos da nossa querida rastejante. Algum tempo depois já era tarde e tínhamos que ir dormir, o japinha mais novo saiu um pouco antes com uma desculpa qualquer pois sua tarefa era de acender as velas. O clima estava desenhado, pena que as fotografias e filmagens à época eram tão raras e difíceis. Chegou a hora de subirmos, como ele morava no andar debaixo do meu, inventamos que outros dois amigos passariam em casa para pegar sei lá o que e pegamos todos o elevador.

 A primeira impressão não foi boa, achamos que nada tinha dado certo, pois assim que ele saiu do elevador já ouvimos ele gritar “ah como vocês são tontos”, ele não caiu, pensamos. Mas na verdade, essa foi a sequência:

Ele achou a vela acesa na sua porta, e isso não o assustou nem um pouco. Gritou para que ouvíssemos que isso não o assustou, e resolveu (lembra do Jaspion!!!) chutar a vela em demonstração de fortaleza, só que ao virar para chutar deu de cara com a rastejante sorrindo para ele. Ai que os gritos realmente começaram, que logo se misturaram com nossas risadas e um fio de urina marcando sua calça Fiorucci. Isso que é um bullying bem feito.

Nunca mais quisemos fazer a brincadeira do copo, mas a mulher rastejante continuou a assombrar os moradores daquele prédio por muito tempo.

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